Não tinha consciência de que aquele envelope continha os seus planos para o futuro, desenhados por outra pessoa. E nada fazia adivinhar que o rumo da sua vida estaria entregue a alguém que não ele! Às vezes temos «a mania» de que as coisas estão controladas. Mas não passa de uma mania.
Perante aquilo que leu, não houve outra hipótese senão fazer as malas e comprar o bilhete do comboio, o mais rapidamente possível. A viagem seria longa. Na verdade, se consultarmos os horários, entre a partida e a chegada contar-se-iam cerca de 90 minutos. Mas para ele essa viagem durou uma eternidade. Porquê?
Porque ainda que o comboio estivesse a andar para a frente, o seu movimento era o de retrospectiva profunda sobre a vida que até então tinha vivido. As decisões tomadas, os erros, as alegrias, as dúvidas e… as certezas! Esse era o seu calcanhar de Aquiles! Admitir que as certezas se desvaneciam, à medida que o comboio deslizava no carril.
Queria calar a mente. Ligou o leitor de mp3 e deixou que a música lhe invadisse os sentidos. Fechou os olhos e a única coisa que via era aquela carta. A maldita carta que mudou o curso da sua vida. Fechou os olhos com mais intensidade, para, em vão, tentar eliminar essa imagem da sua cabeça. Mas a carta, lá estava. Em cima da mesa da sala de jantar a lembrá-lo que os planos são entretenimentos da alma para tentar fugir ao destino que a vida nos reserva. Para tentar fugir à compra do bilhete do comboio. Para tentar fugir à viagem. Para tentar fugir ao movimento do carril.
Impossível.
O carril tinha um movimento próprio, encerrava uma vida que simplesmente não era a dele. A daquele homem que um dia carregou às costas uma mão cheia de certezas, que se desvaneceram ao ler uma simples carta, que o carteiro habitual lhe entregou em mão.
Quem serei a partir de hoje? – perguntava-se.
O balanço do comboio tornou-se uma melodia sem dó. E foi essa melodia que o embalou até à estação terminal.
texto de Joana Sousa | fotografia de Marco A. Pires | projecto olharapalavra para fábrica de letras
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